segunda-feira, 22 de abril de 2013

Janaína (parte 01, única ou início de uma série...)

      O fato de Janaína ter sido criada nos princípios da fé, amor e caridade modelaram seus padrões de moral desde a mais tenra idade. O Centro Espírita filiado a federação era o seu segundo lar. A única que torcia o nariz era a avó, Católica Apostólica Romana, sempre que podia levava a menina na missa, e a colocou pra estudar no colégio das freiras. Foi assim que aprendeu a respeitar a crença de todos. E quando a mãe decidiu se unir a um Pai de Santo, estranhou a mudança brusca de religião, mas achou que poderia aprender com isso também. Afinal, não se viam "enteados de pai de santo" em todas as esquinas.
       Não. Não gostava dos atabaques. Odiava o cheiro de defumador. Gostava da música. Achava graça no padrasto incorporado. Com seus 1,90 de altura, olhos azuis, todo encurvadinho, fumando seu cachimbo e riscando o chão com a pemba. Ela até usava os colares cruzados, pra não fazer desfeita, mas só ia no centro quando era obrigada. Teve que ir no casamento. Tinha que ir nas festinhas de Cosme e Damião, bem, na verdade, adorava doces, então esse não era um grande sacrifício...
      Como amava os livros e não desprezava nem bula de remédio, passou a ler escondido os livros do padrasto. O primeiro que leu foi aquele famoso de São Cipriano, depois passou para aqueles que ele guardava bem escondidos, por baixo do baú da cama box. Era coisa muito pesada para uma menininha. Conhecer o além do que se fala, acabou por ser uma responsabilidade. Umbanda, Quimbanda, bem, mal. Equilíbrio. Não era decididamente o que queria para sua vida. Não bateria cabeça. Descarte realizado com conhecimento profundo de causa. Só ficou com a percepção. "Pegava no ar" as coisas. Sabia o que era coincidência e o que era "coisa mandada". Também sabia fazer e desfazer qualquer tipo de trabalho. Agora, querer, já é outra coisa. E isso não era o que queria para si.
       Sua vizinha, Adventista, era a sua melhor amiga. Com ela, conheceu os Desbravadores. Aprendeu muito com eles, acampava, orava. Divertia-se muito. Quando a amiga ia em sua casa, corria fechar a porta do quartinho. Era lá que ficava o altar. Uma mesinha, forrada com toalha branca rendada. Em cima, imagens de Iemanjá, São Jorge, entre outras. Velas sempre acesas. Mas se levantassem a toalha...imagens cheias de chifres e rabinhos...criaturas que fariam inveja a qualquer capa de cd de metal. No canto do quarto, num grande armário, as coisas usadas nos "trabalhos" e as roupas. Saias de baianas, vestidos de Pomba Gira, terninho branco, chapéu de palha. A pequena Janaína morria de medo que a amiga pudesse descobrir aquele quarto...mas a amiga nunca chegou nem perto. Quem saiu correndo pra nunca mais voltar, foi o namoradinho de Janaína, anos depois. Filho de uma boa senhora, Testemunha de Jeová, conhecia os perigos que uma macumba bem feita podem causar. Janaína deu-se por satisfeita. Já tinha enjoado do namorado e não sabia como terminar...tudo tem sua utilidade.
       Janaína era uma pessoa boa. Daquelas que acreditam que se não fazem mal para ninguém, não podem ter inimigos. Não que fosse santa, só não sabia desejar o mal. Perdoava facilmente, sempre que podia, ajudava todos ao seu redor. E numa sexta-feira, admirou-se ao ouvir os atabaques. Lembram que ela não gostava dos atabaques? Estava dormindo quando escutou. Ficou triste, na mesma hora soube o que desejavam e enviavam para ela, quase chorou.
       Fazia tempo que não visitava o padrasto, ele ficou feliz em revê-la. A queria como filha. A protegeria como pai. É. Nem sempre agimos como queremos. O mal nesse mundo é a força que impera. Reagir infelizmente é consequência.



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